quinta-feira, 17 de maio de 2007

Em greve!

Os alunos da USP entraram em greve. A decisão foi tomada por nós, ontem à noite, em frente ao prédio da Reitoria, ocupado há mais de duas semanas pelos alunos e, agora também, pelos funcionários da USP.

Escolha corajosa e difícil que, ao contrário do que muitos possam pensar, é sempre tomada a contragosto pelos estudantes. Isso porque nenhum de nós gosta de parar as aulas, ter que repô-las a toque de caixa, atrasar semestres, ter que fazer protestos. Mas há momentos em que somos chamados a fazer isso por mais incômodo que nos cause, há momentos em que simplesmente é preciso que se faça algo.

Os estudantes que ocuparam a Reitoria são verdadeiros exemplos de consciência política e são responsáveis pelo contragolpe sofrido pelo governo do estado e pela reitora nos assédios que estes vêm infringindo no ensino público.

As decisões e a postura do governador Serra, em quem confesso ter votado, são repulsivas e não condizem com a história pessoal do governador. Bloquear verbas e suprimir a tão necessária autonomia universitária são tristes, porém evidentes, demonstrações do desinteresse do governador para com a educação e caracterizam como mentirosas as propostas eleitorais de José Serra para a essa área. Ora, que idéia se pode fazer de um governador que rasga seu projeto de governo tendo tão-somente tomado posse do cargo?

Se a alguém pode parecer que a autonomia universitária é algo cosmético para a vida acadêmica, gostaria de convencê-lo do contrário. Os governos federal, estaduais e municipais estão de um modo geral reféns dos interesses econômicos de grandes corporações e condicionam – em não raras oportunidades – os interesses públicos àqueles mencionados e assim põem em risco garantias e direitos de todos os cidadãos. A quem duvida disso convém perguntar: por que o governo federal tem mais de 150 bilhões de reais para pagar anualmente em juros a bancos e fundos internacionais, mas não tem dinheiro para melhorar a situação da saúde no país? Por que em S. Paulo se arrecada tanto dinheiro com multas de trânsito todos os dias, mas não sobra nada para construir mais linhas de metrô ou comprar mais trens e diminuir o tempo de espera nas estações e o desconforto nas viagens? Por que há dinheiro para reformar áreas de circulação de pessoas de alta renda, mas não há verbas para urbanizar favelas? Perguntas instigantes às quais sinceramente não tenho respostas exatas, apenas uma suspeita: o Estado no Brasil não existe em função de defender os interesses do seu povo constituinte, mas subsiste acoelhado, mendicando ajuda aqui e ali, vendendo barato o que deveria ser protegido como patrimônio público.

As verbas dirigidas para a universidade pública têm destinos bem diversos. Por não estarem tão diretamente influenciadas pelos grandes interesses econômicos, as universidades públicas no Brasil, e especialmente falando de S. Paulo, têm interesses e missões muito diferentes das dos governantes atuais. Desenvolver o pensamento crítico na sociedade, pesquisar alternativas ao tratamento na área de saúde aos mais necessitados, desenvolver tecnologia nacional são algumas das lutas da universidade pública para criar uma sociedade nacional mais livre e mais independente. Objetivos que rotineiramente entram em choque com aqueles que querem aprofundar a dependência do Brasil às potências econômicas. E é pela defesa dessa missão da universidade pública que é necessário, simplesmente é necessário que se faça algo. Nossos laboratórios não podem perder tempo com pesquisas em cosméticos, quando há pessoas morrendo de doenças tropicais, nossos estudantes não podem aceitar que o Brasil volte aos tempos coloniais plantando cana-de-açúcar para o mundo europeu e norte-americano, quando há tantas melhores alternativas para a vida econômica e energética do Brasil, não podemos nos conformar que a história tenha chegado a seu fim, precisamos nos libertar da prisão do presente e refletir sobre o nosso passado e o nosso futuro de modo mais sério e iluminado.

Pela defesa da universidade pública, da educação, da crítica, da cidadania, da qualidade de ensino entramos em greve. Se a educação é prioridade para o governador, que seja de fato! Que as políticas de seu governo colaborem para a melhoria e a expansão da educação, essa ferramenta essencialmente emancipadora.

Entramos em greve, mas convém questionar os rumos que essa greve tomar. O movimento estudantil deve estar bastante atento ao direcionamento que será dado a esse movimento, não podemos ficar em casa, assistindo à TV, esperando que dos céus caiam nossas reivindicações. É preciso lutar e discutir o papel da universidade na sociedade, discutir os desvios que começam a preocupar a todos, é preciso repensar o descomprometimento com a mudança realidade que muitos intelectuais adotam como regra de trabalho, é preciso reformar as estruturas de dois séculos passados que ainda sustentam a universidade no século XXI. É, enfim, fazer um séria auto-crítica, em muitos casos, uma mea-culpa. Também precisamos nos desenganar de que uma greve nas universidades públicas irá tirar o sono do governador... por que não questionar a Fuvest, essa gansa dos ovos de ouro, que carrega atrás de si uma indústria de cursinhos? Por que não perguntar: se a USP não pode ter novos professores, se não pode ter melhoria nas calamitosas estruturas de alguns prédios, seria seguro abrir vagas a mais estudantes neste ano? Não seria interessante uma pequena pausa, para preservar a qualidade?